22 de março de 2015

Apneia Induzida

Estou ali, sentada em um balcão de um bar qualquer, vendo e ouvindo pessoas dentro e fora da minha cabeça. Peço o mesmo ao homem velho e barbudo de um olho verde e outro azul, repetidas vezes até ele me mandar parar, me chamando de pepita. Talvez porque fico colocando e tirando meu anel que tem uma pedra preta cravada. Aquilo me deixar inquieta e irritada e saio daquela espelunca sem destino algum. As vozes não param, elas vêm de todos os lugares, são gritos, sussurros, ordens, pedidos. Não sei como parar, não sei como fugir. É como um beco sem saída dentro de mim. 

Pego meu carro e pouco me importo se bebi demais, aliás, não me lembro nem se paguei a conta. Não importa, ali eu não volto mais. Continuo dirigindo tentando manter meus olhos atentos à estrada, uma fina chuva começa a embaçar o vidro e penso em parar para esperar passar, também me dou conta de que estou sem meu anel, que merda. Posso estar bêbada, mas por algum motivo ainda tenho juízo, paro por um tempo, mas me canso de esperar. Aumento a música o mais alto que posso para sobrepor as vozes na minha cabeça, November Rain está tocando, odeio essa música. Mas, não importa, quanto mais alto, melhor funciona. 

Quando estou perto de chegar em casa vejo um vulto na beira da estrada, penso que é alguém precisando de ajuda e por algum motivo sem juízo (não se pode tê-lo a todo momento) desacelero e abro o vidro até a metade. Quando consigo no meio daquela chuva distinguir a pessoa que está do lado de fora, entro em choque. Velho, barba mal feita, roupas sujas e um olho de cada cor. “Você saiu sem pagar a conta, o mínimo que pode fazer é me dar uma carona”. Fico tonta, desesperada, porque aquilo não faz o mínimo sentido, como ele poderia estar lá e aqui ao mesmo tempo. 

As vozes voltaram, umas dizem sim, outras não, outras até me mandam atropelar (pois é, nem todo mundo dentro da minha cabeça tem boas intenções). Deixei-o entrar e vi meu estofado recém lavado ficar molhado e sujo. Droga. Mais uma grana que vou ter que perder lavando aquela porcaria. Aumento o rádio de novo e ficamos em silêncio por vários minutos, ele desliga a música: “Não vai perguntar onde me deixar ou vai me levar para a sua casa?”. De jeito nenhum vou levar um ser desse para dentro da minha casa, me dei conta de que estava dirigindo em círculos sem saber o que fazer e ele me diz para deixá-lo perto do posto de gasolina ao lado do hotel de beira de estrada que todo mundo comenta, mas ninguém nunca teve coragem de se hospedar. 

Dirijo até o local sem fazer perguntas, sentindo o olho verde dele em mim, e o azul na estrada. “Você não está muito alcoolizada para dirigir?”, ele diz sem desviar os olhos. “Você não está muito sujo para sentar no meu carro?” revido sem dar continuidade a conversa. Só quero deixá-lo e ir para minha casa. Ele anda pelo posto tão devagar que poderia dizer que tem algum problema nas juntas, não duvido. Mas, também não espero ele entrar no hotel, piso fundo e vou direto pensando em um banho e minha cama. 

Chego em casa e os gatos já começam a me rodear, nem com eles tenho paciência hoje. Nem por eles paro. Vou até o banheiro e deixo a banheira encher, mal posso esperar para deitar ali com uma taça de vinho. A água está quente, tão quente que sinto minha pele ficar um pouco avermelhada. Não me incomodo. Tomo minha taça de vinho, as vozes não param. Só existe um jeito de fazer com que elas se calem por uns minutos, ainda bem que quando criança era boa em natação. Mergulho todo meu corpo e cabeça na água e escuto: nada. Paz. Silêncio. Os três minutos mais esperados do meu dia. 

Quando não aguento mais segurar o ar, afinal, sou louca, mas não suicida, me levanto. O rádio está ligado mas não me lembro de ter ligado quando entrei e casa. Enfim, algum gato deve ter pisado no botão. Pego a toalha e termino meu vinho. November Rain começa a tocar, saio da banheira me enrolo na toalha e quando me olho no espelho embaçado leio PEPITA. Corro do banheiro para o quarto, olho em todos os lugares, sala, cozinha, a casa está vazia. Me convenço de que: se sou louca o suficiente para ouvir vozes, também sou para ler coisas estranhas no espelho do meu banheiro. Vou deitar, molhada, nua, debaixo das cobertas, um sono pesado me toma os olhos, viro-me para apagar o abajur e ao lado dele está o meu anel.