7 de março de 2008

Saudade.

Em meio ao caos da mente urbana. A tensão dos nervos de mudança. A pressa dos passos soltos, e dos determinados. De súbito. Paro. E me deparo com meu armário antigo. Há muito não o usava. Bom, para ser honesta, evitava usa-lo.
Nem sempre é aconselhável tentar esconder o passado, pois em um momento inesperado somos obrigados a lidar com ele. Assim, como eu. De súbito. Na marra.
E olha que não é um passado tão velho, por assim dizer. São dezessete anos. Mas também um mês. Enfim, alguns dias.
Em meu mais recente ataque de nostalgia, cobri o móvel antigo com um pano branco. O que não rendeu muitos resultados, uma vez que a silhueta do objeto semi-despedaçado tentava dialogar comigo. Dia e noite.
Essa presença constante incomodava-me a cada segundo de respiração, às vezes vários, quando me obrigava a prendê-la.
De repente flagro-me em pé, diante do pano branco que cuidadosamente retirei do móvel. Não havia sequer vestígios de poeira. Recente, tão recente. Tão doloroso.
Quando me dei conta, passaram-se quinze minutos, até que eu tomasse coragem de tocá-lo.
Deixe-me descreve-lo: era de estatura média, não muito larga. De cor marrom escuro, com algumas lascas, defeitos. Nele havia duas gavetas. A primeira era maior, porém quase vazia, a gaveta concreta. Já a segunda, era menor, mas quase não fechava de tão cheia, a gaveta abstrata.
Eu sei. Tenho plena consciência de que a minha subjetividade está atrapalhando na compreensão desse objeto. Mas, eu não parei por aqui.
Abri a gaveta maior, respirei fundo. Pude ver um apartamento. Uma escola. Pessoas, amigos. Um templo. Revistas, instrumentos. Tudo o que um dia foi de extremo valor para mim, e continua sendo.
Fechei a gaveta com cuidado. Estava com um sorriso discreto no rosto. Boas lembranças.
Conti-me antes de abrir a segunda gaveta. Se a primeira me causara acelerados batimentos, o que havia de ter na pequena?
Apenas toca-la já me fazia bem. Uma alegria indescritível invadiu meu corpo, e quando terminei de puxá-la, fui envolvida por um turbilhão de sentimentos. Felicidade, amores, amizades. Tudo o que passei até ontem, praticamente fez parte de mim de novo.
Não fazia questão de fechá-la tão cedo. E me permiti usufruir daquele momento raro por alguns, bons, minutos. Quem sabe horas.
Como sempre a razão trouxe-me de volta a realidade e com muita relutância, coloquei a gaveta no lugar.
Senti-me bem. E boba. Sim, ridícula por ter chegado ao ponto de esconder este armário, que me fez feliz durante toda a minha vida. Que me completou. Transformou-me.
Agora, cá pra nós, o pobre estava em estado lastimável, pela minha falta de cuidado.
Engoli seco.
E chorei.
Sim. Derramei minhas lágrimas, sem querer, em cima dele. Gotas de saudade.
Sem que eu percebesse. Aos poucos. Elas, as lágrimas, o restauraram.
Um brilho incomum ofuscava daquele velho móvel. Brilho tal, que podia contemplar a cada vez que entrava no quarto. Podia senti-lo a todo o momento.
E foi ele, que me ensinou que o que é especial não se pode omitir. Pois de tão essenciais e importantes, cedo ou tarde eles reaparecem, mais fortes do que nunca.
E te pegam assim. De súbito. Na marra.
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Sem observações hoje! ;D